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Manifestação progressista, mídia burguesa, Big Techs e a luta por um País mais justo

  • Foto do escritor: Carlos Norberto Souza
    Carlos Norberto Souza
  • 30 de set.
  • 5 min de leitura

Por Carlos Norberto Souza


O protesto realizado em Santos contra a PEC da Blindagem e contra anistia aos envolvidos na recente tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito foi considerado por organizadores e participantes como a maior manifestação progressista dos últimos anos. No entanto, a cobertura dos meios privados de comunicação foi inversamente proporcional ao tamanho da mobilização que, segundo estimativas de organizadores do ato, reuniu algo entre 1500 ou até duas mil pessoas em Santos, no último domingo (21/09). Coordenada por integrantes de movimentos sociais, partidos políticos, entidades estudantis e sindicais, entre outras organizações da sociedade civil, a manifestação ocupou a Estação da Cidadania, percorreu a Avenida Ana Costa, seguindo até a Praça da Independência, no coração do bairro Gonzaga.


A escassa atenção dada pelos meios de comunicação gerou críticas de bastidores ou públicas a respeito da cobertura jornalística, não adequada à relevância política e social do protesto, cujo engajamento anterior nas redes sociais já indicava a relevância do ato. Análises críticas sobre o histórico desequilíbrio (para dizer o mínimo...) da cobertura dos meios tradicionais de comunicação sobre as demandas da classe trabalhadora e do povo brasileiro não é novidade. Há décadas, diversas correntes políticas, setores da academia, movimentos sociais, organizações populares e entidades da sociedade civil tratam da brutal concentração da propriedade da mídia empresarial ou burguesa no Brasil e da influência desta mídia na definição dos rumos do País.


Não se trata de fazer detalhamento dessas avaliações, mas apenas dizer que a raiz de tais críticas estão no caráter essencial de veículos que são comandados por grandes empresas de comunicação ou conglomerados com ramificações em diversos setores econômicos: os proprietários são membros da classe burguesa, em resumo, uma minoria da sociedade que controla o poder financeiro, econômico e que, portanto, exerce influência política, ideológica e social com a finalidade permanente de submeter a seus próprios interesses o Estado, as instituições e o povo brasileiro.


Agora, com o poder colossal das chamadas Big Techs, gigantes que controlam as mídias sociais, IAs e hoje ameaçam democracias e nações, não há mais o domínio exclusivo da chamada "grande mídia" e existem contradições entre a antigas e novas empresas de mídia, entre os meios tradicionais e as plataformas digitais. Uma das principais questões é a luta pela remuneração do jornalismo pelas plataformas, afinal, elas geram lucros estratosféricos explorando a produção jornalística alheio sem contrapartida. Por outro lado, as entidades sindicais de jornalistas também defendem medidas para que a compensação devida não seja destinada apenas a engordar os ganhos dos barões da mídia.


Essas questões não se confundem de maneira alguma com os ataques obscurantistas da extrema direita e do bolsonarismo contra o papel democrático do jornalismo e a responsabilidade social do exercício profissional de jornalistas, cujos deveres são, segundo o Código de Ética dos jornalistas brasileiros, preservar a informação precisa e correta, respeitas os direitos humanos, defender a liberdade de expressão e prestar solidariedade a colegas que sofrem perseguição ou agressão em consequência de sua atividade profissional, entre outros. Nem se parecem com o terraplanismo político de adoradores de pneus que acreditam que os meios de comunicação estariam completamente tomados por "comunistas" e "globalistas"...


O jornalismo é instrumento fundamental de combate à desinformação e fake news, em primeiro lugar, em razão do profissionalismo e do compromisso de jornalistas que atuam tanto na mídia burguesa quanto na alternativa. Parece inegável até que a própria mídia dominante - ou parte dela - desempenhou serviço positivo ao País quando se opôs ao negacionismo científico, à administração genocida do governo Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19 e à tentativa de ruptura neofacista contra a pálida democracia liberal, embora também seja verdadeira a cumplicidade dessa mídia com as pautas (ultra) neoliberais, com a destruição de direitos sociais e trabalhistas, com o desmonte da estrutura sindical da classe trabalhadora. Há quem diga ainda que os grandes meios ajudaram a criar as condições para a eleição de Jair Bolsonaro.


É admirável quando o profissional "veste a camisa" da empresa, demonstrando compromisso com o veículo, com os colegas e, principalmente, com o público. Mas, quando jornalista recebe para si críticas dirigidas ao papel da mídia burguesa no que diz respeito à linha editorial dos patrões, é porque se identifica sinceramente com a linha dos proprietários ou faz um esforço hercúleo para se mostrar sempre alinhado aos interesses patronais sem jamais expressar opinião que discorde sequer parcialmente das posições políticas/ideológicas dos donos. Toda mídia que se pretenda democrática não deveria ter medo de receber críticas.


Além do mais, patrões são hábeis na prática antissindical, de constranger a livre organização e limitar a liberdade de expressão de jornalistas com o risco imprevisível de demissão. Isso também deve ser considerado. Só que a adesão plena aos interesses patronais, ao invés da organização sindical e coletiva dos trabalhadores, é considerada o melhor plano de carreira possível, por alguns, em meio à precarização das condições de trabalho, rebaixamento salarial e o medo do "passaralho".


Qualquer jornalista experiente ou mais atento(a), sim, sabe que os patrões têm interesses financeiros, econômicos e políticos claros, não apenas o puro desejo de atuar em prol do interesse público... A questão é: como você, jornalista-leitor, se posiciona como categoria, trabalhador e cidadão? Você atua ou se organiza por quais interesses? Essas perguntas são úteis a todo trabalhador.


A tensão entre a ideologia dominante (neoliberal/capitalista) e as críticas que propõem a superação da ditadura do capital são definidoras das respostas a tais questionamentos. Não é incomum que posições críticas ao "mercado" sejam apontadas de forma pejorativa como "ideológicas", "políticas", "partidárias" e, para os mais extremados defensores de bilionários, até mesmo "esquerdistas" ou "comunistas" para alegar que elas seriam impuras, parciais e interessadas, enquanto que as visões alinhadas com os interesses dos donos do capital seriam límpidas manifestações do interesse público e do bem comum.


Mesmo com concessões pontuais para manter a ordem desigual, o papel da comunicação hegemônica de naturalização das perspectivas da burguesia e de cooptação ideológica de toda a sociedade tem alcançado seus objetivos, apesar de que não se deve subestimar as resistências e lutas contra-hegemônicas cuja centralidade hoje se deslocou para o enfrentamento à ditadura das Big Techs (umbilicalmente ligadas aos interesses dos EUA, do trumpismo e da extrema direita internacional). Mas nem tudo é ameaça: a decadência dos EUA e a emergência dos BRICs são oportunidades históricas que o Brasil precisa aproveitar para a abertura de novos caminhos.


Apesar do fato de - na opinião deste articulista - o objetivo principal atualmente seja derrotar a extrema direita e jogar o bolsonarismo na lata de lixo da história, em articulação com a defesa do Brasil frente aos ataques à soberania e interesses nacionais, passando por nova vitória de Lula em 2026, a construção de novas maiorias políticas e sociais pautadas pelos interesses nacionais e do povo brasileiro depende também da promoção da diversidade de produção midiática, baseada em real pluralidade de ideias, perspectivas ideológicas e representação de setores populares e da classe trabalhadora, com enfrentamento do oligopólio da mídia. É até natural jornal burguês refletir as opções editoriais dos donos, o problema é que a liberdade de imprensa parece restrita na prática aos detentores do poder econômico.


Neste sentido, o fortalecimento da mídia alternativa, de esquerda ou contra-hegemônica é indispensável, e não pode mais ser adiado, já que o esforço para conquistar "mentes e corações" de contingentes populares seduzidos pela extrema direita ou pelo bolsonarismo deve ser o de escancarar a perspectiva antipovo e antinacional dessa escória inimiga dos direitos do povo, mas principalmente oferecer propostas de esperança de vida melhor e próspera em um projeto nacional de desenvolvimento soberano, democrático, inclusivo e socialmente mais justo. A consolidação de um sistema público de comunicação forte e diverso também ajudaria a reduzir o predomínio absoluto da mídia corporativa. Hoje, na comunicação, a contradição principal das forças democráticas é com o domínio das Big Techs, mas velhos desafios seguem vivos. O questionamento aos dogmas ideológicos neoliberais fixados pela burguesia como se fossem expressões da verdade absoluta, reflexos diretos da ordem natural ou da suposta natureza capitalista eterna da sociedade também está na ordem do dia.

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